quarta-feira, 10 de janeiro de 2007
Irmão
Minha mulher entra no escritório e diz meio sem paciência:
-Sua mãe está no telefone, quer saber se você vai na formatura do seu irmão.
Droga! Tinha me esquecido, ou mesmo procurei me esquecer, já tinha até dado uma boa desculpa.
-Talvez tenha de trabalhar e não possa ir...
Atendi o telefone e continuei minha farsa, talvez fosse mais tarde no trabalho. Mentira. Só não queria me comprometer com isso naquela hora da manhã.
Ao desligar, e ouvir os comentários jocosos da minha mulher, indignada com a "proteção" para com meu irmão, algo dentro de mim mudou. Um estalo, um comichão, dor na consciência, sei lá; apenas tive vontade de comparecer.
Dia todo de angústia, esperando o momento de ir à Formatura de Direito do meu irmão.
Sete e meia da noite. Saio sozinho e vou à Universidade Ibirapuera, onde ele estuda. Do caminho ligo para meu pai e tento descobrir onde devo ir, mas ele sequer saiu de casa.
-Mas não era às oito? Vocês vão se atrasar...
Pergunto ao guarda na guarita onde seria a cerimônia e ele me indica a direção.
-Siga aquela senhora, ela vai para lá.
Não é um auditório comum, fica do lado de fora do prédio, tem aquele ar de improviso, um salão adaptado.
Do lado de fora vários formandos conversam e se divertem com sua becas emprestadas pela faculdade. Tudo aqui tem um ar pobre, meio ajambrado, como se a comemoração não fosse algo importante, se a cada semana tivéssemos duas ou três dessas (quem sabe não é isso mesmo).
Um mão acena para mim, é meu irmão, com um sorriso simpático, apesar de tímido. Chego até ele e o cumprimento. Um leve apertar de mãos e um abraço meio deslocado, quase envergonhado.
Quando éramos adolescentes até que no entendemos bem eu e meu irmão. Talvez fosse o assunto e interesse comum na música. Apesar de, em retrospectiva, perceber que, na verdade, nunca conversamos mesmo, nunca tivemos um diálogo. Tivemos sim muitos monólogos. Insistiamos em não ouvir o que o outro falava, apenas esperávamos para continuar nosso relato. Ele falava de alguma coisa que eu não prestava muita atenção e eu dizia uma monte de coisas que ele nem ouvia.
Agora alí, na frente daquele auditório, botávamos a nu nossa relação distante. Não somos dois irmãos, somos dois colegas que não se conhecem muito bem.
Ele me apresenta a um amigo. Que na tentativa de ser simpático me desagrada mais ainda. Diz que meu irmão é uma "figura". Tentando lhe imputar um tipo de descontração e liberdade que, francamente, ele não tem. Meu irmão é um cara tímido (alguns, como minha esposa, diriam mal educado), brinca sim, se diverte, mas não tem a espontaneidade que o termo "figura" exige.
Procuro um lugar onde me sentar para que possa fotografar o evento. Minha mãe havia me pedido a câmera digital emprestada mas achei melhor eu mesmo fazer o traballho sujo.
Não me coloco bem, estou praticamente no meio da sala e já não tenho esperanças de fotos maravilhosas. Com o Zoom digital nada vai ficar "ótimo".
Não quero aqui me alongar na maçante, previsível e mambembe festa de colação de grau. Não quero ter de falar sobre os discursos óbvios de pseudo-bacharéis de direito, nem daquelas músicas horríveis que tocaram por lá. Não quero...
Pernas, rostos e corpos me satisfizeram e pude suportar o martírio até o fim.
Ao final corremos eu, minha mãe e meu pai para uma fotos dos dois orgulhosos ao lado do segundo filho formado (o primeiro fui eu, mas nem Formatura tive). Acho que no coração dos dois deve haver um alívio do dever cumprido. Afinal, conseguiram dar estudo aos dois rebentos, algo que nesse nosso país é um feito.
Na saída ainda vimos o diploma em Aço Inox (?!) que poderia ser encomendado alí pela bagatela de 3X R$85,00!!
Indo embora, sozinho, pensei nele mais uma vez e em tudo que passamos nas nossas vidas; a brigas as picuínhas, os desentendimentos, as horas ouvindo Iron Maiden e dividindo os discos no dia que me casei.
Espero, sinceramente, que tenha sorte e se acerte na vida.
Afinal, isso é o mínimo que se pode desejar a um irmão...
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